O que faltou nos debates políticos
Leonardo Boff
Nos debates políticos da campanha presidencial, temas fundamentais sequer foram tocados como: que papel o Brasil vai desempenhar diante do horizonte sombrio que se está armando, para os próximos anos, sobre o planeta Terra com a acelerada exaustão de bens e serviços naturais e a gravidade dos eventos extremos de secas, enchentes e desertificação crescente, sem falar dos milhões de refugiados climáticos que não param de crescer?
Somos um país com vantagens comparativas inigualáveis em termos de água, de florestas úmidas, de biodiversidade e de fontes de energia alternativa e limpa, entre outras. Tais vantagens implicam uma responsabilidade irrenunciável de nossa parte, no sentido de ajudar nações em crise e na busca do equilíbrio perdido do sistema-Terra. Sobre tais questões quase nada se falou, à exceção de Marina Silva. Não queremos que se torne verdade o que advertiu recentemente o físico Stephen Hawking:”O ser humano precisa abandonar a Terra nos próximos 100 anos ou tornar-se uma espécie extinta”.
O Brasil está repleto de contradições. Por um lado, participa da tragédia global da humanidade pelas injustiças sociais que carrega e, por outro, possui todos os ingredientes para uma alternativa civilizatória de significado universal, como já o apontava, há tempos, o senador Cristovam Buarque.
Além de significativa contribuição ecológica que pode oferecer, vejo, entre tantos valores relevantes de nossa experiência como povo, dois que podem configurar positivamente a fase planetária da humanidade: nossa criatividade o nosso capital de esperança.
A criatividade pertence à essência do ser humano pois ele não é um ser pronto, mas está sempre por fazer. Criatividade supõe capacidade de improvisação, descoberta de saídas surpreendentes e espontaneidade na ruptura de tabus ligados a certas tradições. Penando sob a colonização e a escravidão, o povo inventou mil formas de dar um jeito na vida, de resistir, de negociar, de protelar e de sobreviver, nunca perdendo o sentido de humor, de festa o o encantamento pela vida.
Bem dizia Celso Furtado:“uma sociedade só se transforma se tiver capacidade para improvisar…ter ou não acesso à criatividade, eis a questão” (O longo amanhecer 1999 pp. 79 e 67). A maioria dos gestores públicos não sabe valorizar esse enorme potencial criativo do povo e democratizá-lo para todos.
No mundo globalizado, faz-se urgente a criatividade para dar uma moldura diferente a esse fenômeno inédito. Há o risco de que seja mais do mesmo, prolongando o velho paradigma, baseado na dominação dos outros e da natureza, sempre em benefício dos mais fortes e opulentos.
Depois, há o superávit de esperança, própria da alma brasileira. A esperança é a última que morre. É por ela que temos a confiança de que Deus escreve direito por linhas tortas. A esperança projeta continuamente visões otimistas. “Um dia a coisa vai mudar...se Deus quiser” ouve-se frequentemente na boca do povo. Nossas canções estão perpassadas de esperança. Assim cantam as comunidades eclesiais de base: “virá um dia em que todos, ao levantar a vista, veremos nesta terra, reinar a liberdade”. Essa aura de esperança permite relativizar e tornar suportáveis os dramas que milhões padecem. Por causa da esperança de que o inesperado pode ocorrer, resistem e se organizam para torná-lo real e não deixá-lo apenas mera utopia que é a má utopia.
A crise econômico-financeira de 2008 projetou, por todas as partes, uma nuvem escura da desesperança principalmente entre os pobres, cujo numero cresceu em 200 milhões. Se não houver esperança de dias melhores através de políticas mundiais de solidariedade e de corresponsabilidade coletiva, conheceremos a violência da insurreição das vítimas e da repressão dos poderosos, de dimensões inimagináveis.
A carga utópica que caracteriza a cultura brasileira que se traduz por inarredável confiança no futuro com algo promissor e benfazejo, poderá ajudar a remover a sensação de impotência e a superar a cultura do cinismo. O Brasil pode ser o antecipador da “Terra da boa Esperança”(Ignace Sachs), de uma civilização biocentrada, cordial e ecumênica.
LEONARDO BOFF
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