Especialista diz que mortes de mães significam que as mulheres não tiveram bom atendimento na hora do parto
Com o objetivo de debater o desenvolvimento de sistemas integrados na promoção da saúde da mulher, a última mesa do Seminário de Direitos Humanos na Perspectiva de Gênero e das Relações Sociais reuniu especialistas e levantou questões chaves no combate à morte materna. A mesa, composta pela subsecretária de Políticas para Mulheres de São Gonçalo, diretora do Movimento de Mulheres em São Gonçalo e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) Marisa Chaves, e pela representante da Organização dos Estados Americanos (OEA) para o monitoramento da Convenção de Belém do Pará e coordenadora-executiva da Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia), Leila Linhares. A mesa foi coordenada pelo pesquisador Marcos Besserman.
"A existência de morte materna em um país que conta com medicina avançada é uma violência contra as mulheres", disse Leila Linhares. Segundo ela, essas mortes significam que as mulheres não tiveram bom atendimento na hora do parto, não fizeram pré-natal adequado e outras questões referentes à oportunidade e acesso. "Esses óbitos acontecem em maior número entre mulheres mais pobres, com menor nível de escolaridade e com menos acesso a serviços de saúde", acredita Leila.
Ela alertou que os homens estão em primeiro lugar nas taxas de homicídio em todo o mundo. "Mas, se fizermos uma releitura desses dados cruzando com os dados de saúde da mulher, acharemos outro número. O não decréscimo das taxas de mortalidade materna não aparece nas páginas policiais, mas deve ser considerado, no mínimo, como homicídio, pois também é morte por forma de violência".
Leila pontuou juridicamente os avanços do marco legal dessa área, mas ressaltou o descompasso desse avanço no que se refere a um dos objetivos do milênio, que é reduzir, até 2015, a mortalidade materna em nosso país. Segundo ela, isso é muito preocupante. "É preciso refletir sobre as questões éticas e filosóficas do aborto. Não saberemos o que é certo ou errado, mas a punição e a ilegalidade dessa prática no Brasil aumentam o número de vítimas. Não somos contra a vida, mas é preciso descriminalizar o aborto e permitir que as mulheres, de fato, possam decidir sobre seus corpos", defendeu.
Já Marisa Chaves relatou casos cotidianos com os quais lida em seu trabalho sobre o silêncio e a naturalização da violência contra mulheres e crianças. "No Movimento de Mulheres de São Gonçalo (MMSG), que hoje desenvolve ações para evitar a violência contra mulheres, crianças e adolescentes, estamos fazendo um levantamento quantitativo de crianças que foram violentadas por pais biológicos ou padrastos, e que sua genitora também tenha passado por isso. Temos dados concretos e reais dessa questão casada. O silêncio daquela mãe para não revelar que sua filha está exposta a uma violência sexual está muito voltado para o fato de ela ter de naturalizar a violência sofrida por ela mesma no passado, e, na ocasião, não ter tido apoio nem rede de proteção social para desvelar esse fenômeno para a sociedade", contou Marisa.
Ela afirmou que o pior obstáculo é o preconceito. "Costumamos agir e ditar normas pela nossa visão de mundo e achamos que esta é sempre a mais correta. Então, se deixamos essa verdade pautada em dogmas ditar nossas vidas, nos distanciamos da possibilidade de escutar as pessoas e de provocar serviços de atendimento de redução de danos. Não queremos incentivar o aborto, mas dar às mulheres a possibilidade de acessar serviços e decidir o que é melhor para si".
Marisa lembrou que os assustadores números da mortalidade materna não são uma questão recente, mas, agora, têm ganhado um pouco mais de destaque nas instituições e na mídia por causa da visibilidade propiciada por ferramentas tecnológicas. "Com o avanço tecnológico, estamos percebendo o tamanho do problema. Hoje, existe um Sistema de Mortalidade Materna (SIMM), coordenado pelo MS. Todos os municípios brasileiros são obrigados a registrar os dados de óbitos de todas as mulheres que estão em idade reprodutiva - de 14 a 49 anos. Isso desvenda outra realidade do país", constatou a pesquisadora.
Ela concluiu alertando que a mortalidade materna, em quase 100% dos casos, pode ser prevenida e evitada. "O que estamos querendo, principalmente dentro de uma Escola que forma recursos humanos para a saúde, é a sensibilização desses profissionais - que eles entendam o atendimento de uma maneira integral. Cada profissional de saúde deveria receber uma família para cuidar, e não apenas um indivíduo, pois à medida que segmentamos o nosso olhar, fragmentamos tanto o saber científico que perdemos a noção total. Com isso, a nossa escuta fica prejudicada, pois não conseguimos escutar o indivíduo na sua especificidade, na sua singularidade", disse ela.
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