Lá se vão oito meses de Governo Dilma. Passado o período conhecido como "lua de mel" já é possível captar a essência desse governo e avaliar as linhas de continuidade e mudança em relação ao Governo Lula. Todos sabem que Dilma chegou à Presidência pelas linhas tortas do destino e nas asas de um líder carismático e popular. Os candidatos do PT à sucessão de Lula eram José Dirceu e Palocci, que naufragaram no meio da travessia. Dilma sequer era do PT, já que militou, no período da redemocratização, no PDT. Era uma técnica, com passado ligado às lutas contra a ditadura, mas sem nenhuma vocação política pronunciada. Carisma não era o seu forte. Virou candidata por obra e graça de seu padrinho político, Lula. Preocupavam sua inexperiência política, possíveis resquícios esquerdistas herdados do foquismo de 68 e os traços pessoais autoritários amplamente conhecidos. Dilma recebeu herança nada tranquila de Lula. Restos a pagar inéditos, inflação ameaçando fugir do controle, base de apoio excessivamente heterogênea viciada na cultura patrimonialista e clientelista, máquina inchada com inéditos 37 ministérios e a sombra permanente de Lula. É preciso reconhecer que Dilma produziu algumas inflexões importantes. Em primeiro lugar ensaiou uma guinada na política internacional, retomando o velho e bom pragmatismo do Itamarati, abandonando a ênfase em aliados complicados e melhorando o diálogo com os países centrais. A recente escorregada na questão da Síria, a vacilação em relação à Líbia e a nomeação de Celso Amorim para o Ministério da Defesa colocam uma interrogação no ar. Em segundo lugar, cabe registrar a mudança no tratamento a FHC e sua herança. Sua carta de saudação aos 80 anos de FHC colocou em novos termos a avaliação da bendita herança do Plano Real. Dilma localizou corretamente as raízes da consolidação da democracia, da estabilização da economia e da redistribuição de renda. É evidente que isto sensibilizou o PSDB, e incomodou o PT. Por último, no campo das inflexões, a mudança de atitude e postura pessoal. Ao invés daquela verborragia amazônica dos três discursos diários de Lula, onde ao sabor das emoções e humores do líder de massas, brotavam afirmações livres e imprecisas, às vezes completamente inadequadas ao discurso presidencial, sobre os mais variados temas; Dilma introduziu um estilo mais austero, que recupera a liturgia do cargo, com menos exposição do que a overdose anterior e mais foco na gestão cotidiana dos assuntos de governo. Feitos esses registros, cabe discutir as preocupantes limitações exibidas por Dilma e seu governo. Em primeiro lugar, é sabido que a força política para a promoção de mudanças se esvai com o passar do tempo. O início de governo, no vácuo da vitória eleitoral, é o momento indicado para colocar na mesa toda a agenda de mudanças que se quer promover. Infelizmente o Governo Dilma desperdiçou todo esse precioso momento e não revelou nenhum ímpeto reformador. Num mundo globalizado e em crise, diante de um quadro doméstico caracterizado pela instabilidade fiscal, pela desindustrialização, por câmbio valorizado e as mais altas taxas de juros do mundo, seria fundamental que o novo Governo explicitasse uma agenda de reformas. A trabalhista e do mercado de trabalho, que modernizasse as relações entre trabalhadores e empresários, através de pactos que promovessem ganhos múltiplos. A previdenciária, que garantisse sustentabilidade e corrigisse iniqüidades. A tributária e fiscal, que simplificasse o sistema, diminuísse a carga, garantisse a competitividade, promovesse um novo Pacto Federativo e diminuísse a regressividade. A política, para aproximar o sistema decisório da sociedade, diminuir custos e a corrupção, fortalecer as instituições e melhorar o ambiente de governabilidade. Nada foi feito. Deitados em berço esplêndido, nos contentamos a ver da arquibancada o esgotamento das condições internacionais que patrocinaram nosso desenvolvimento nos últimos anos: os altos preços dos produtos primários, a imensa entrada de capital externo e a demanda interna irrigada pelos aumentos reais na renda das famílias. Mas a sustentabilidade de tudo isso é relativa diante do impasse nos EUA, da falta de perspectivas na Europa e da esfinge que é o heterodoxo capitalismo de Estado chinês. Por outro lado, vivemos uma profunda crise política. Cinco Ministros de pastas essenciais caíram em curto espaço de tempo. Sucessivos escândalos de corrupção vêm à luz do dia. Congresso paralisado pela não liberação de emendas, não nomeação de apadrinhados e pelo receio da extensão e seletividade da suposta faxina ética. Uma radical cruzada contra a corrupção encontra apoio na sociedade e nas oposições. Mas faxina ética não é programa de governo. É pouco. O Brasil tem pressa. Precisa e merece mais. Chegou-se ao paradoxo da própria base do Governo obstruir os trabalhos - ferramenta parlamentar clássica das oposições. Dr.Ulisses dizia que "a matéria-prima da política é a saliva". Hoje, infelizmente, mais do que o verbo, importa a verba. E mesmo o verbo é mal utilizado nas grosserias e arrogâncias que brotam do centro do poder. Enquanto isso, questões como a regulamentação da EC 29, o Supersimples e as reformas estruturantes dormem em gavetas que arquivam a possibilidade de um futuro melhor para o País. (*) Marcus Pestana é deputado federal pelo PSDB-MG e diretor do Instituto Teotônio Vilela. |
"TODA SOCIEDADE SE AFERRA A UM MITO E VIVE POR ÊLE. O NOSSO MITO É O DO CRESCIMENTO ECONÔMICO"- Tim Jackson
sábado, 10 de setembro de 2011
BALANÇO DOS OITO MESES DO GOVERNO DILMA
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