"TODA SOCIEDADE SE AFERRA A UM MITO E VIVE POR ÊLE. O NOSSO MITO É O DO CRESCIMENTO ECONÔMICO"- Tim Jackson

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A GRAÇA DA REVOLTAÇÃO

Estudantes conseguiram bloquear o tráfego em várias regiões de Paris, como na Praça da República. (Foto: Miguel Medina / AFP Photo)


A imprensa parisiense fez pouco caso de uma manifestação estudantil na Place de la Concorde, na primeira semana de fevereiro, em que os jovens agitavam cartazes com a palavra de ordem Dégages! O alvo era o presidente Sarkozy. A expressão significa "cai fora", "sai da frente", por aí. O mais comum seria a popular foutez l´camp ("dê o fora") nos cartazes. Mas era uma maneira de devolver ao presidente francês o insulto por ele lançado ao jovem que se recusou a lhe apertar a mão numa de suas recentes aparições públicas. Destemperado, Sarkozy gritou ao refratário: Dégages, pauvre con! Ou seja, algo como "cai fora, babaca".

Isso, claro, foi largamente explorado pela mídia. Sarkozy herdou algo da grossura dos velhos líderes de direita, paradigma mussoliniano, bem diferente do que agora acontece, por exemplo, com Marine Le Pen (filha do dito cujo), que sabe falar à mídia doucement, como agrada aos franceses, sem o estilo paquidérmico do pai. Sarkozy, não: fora o lado Carla Bruni, ele é seco como uma baguette dormida. Era ministro do Interior quando, a propósito de manifestações vigorosas de imigrantes, declarou que era preciso cachériser os subúrbios de Paris. O verbo é grosseiro: significa limpar a sujeira com jatos de água.

Na Concorde, entretanto, além da resposta simbólica dos estudantes, havia uma clara repercussão dos acontecimentos no mundo árabe, que muito vêm mobilizando a mídia e o meio intelectual francês. O que ali se sugeria era, sem mais nem menos, que Sarkozy tivesse o mesmo destino pretendido para Ben Ali (Tunísia), Mubarak (Egito) et caterva, ou seja, "cair fora" do poder.

Invenção linguística de Antonio Conselheiro

Há um toque risível na demanda porque a situação não é a mesma das ditaduras no mundo árabe. Mas no pequeno episódio transparece um fenômeno que tende a crescer em amplitude, em função das novíssimas ferramentas da comunicação, isto é, a internet com suas muitas possibilidades expressivas em rede. O contato imediato entre os indivíduos está, como bem se sabe, levando a sociedade contemporânea a ganhar um novo tipo de autonomia, que tem menos a ver com independência nacional do que com uma espécie de "interdependência global". Trata-se de relações que passam ao largo dos canais tradicionais do Estado, confluindo para o espaço virtual das redes. Em vez de "relações internacionais" – que se dão entre Estados – vale pensar em "relações intersociais", mantidas entre associações e cidadãos comuns, em qualquer escala de distância.

É prudente não se deixar levar longe demais pela euforia cidadã frente aos acontecimentos na Tunísia e no Egito (não se pode subestimar o potencial da reação conservadora, nem dos interesses econômicos e militares em jogo), mas o que ali ocorre não pode deixar de mobilizar uma forma de consciência mundial em jovens e adultos. Se antes um "bem" necessário era público e nacional, agora ele é deve ser mundial.

Talvez nem "revolta", nem "revolução", sejam as denominações justas para esses eventos, devido a suas velhas conotações militares e ideológicas. O que nos leva a pensar numa invenção linguística de Antonio Conselheiro (ele mesmo, o "gnóstico bronco" de Canudos) no manuscrito que deixou: "revoltação". É a indignação forte que se propaga por contágio verbal e conduz a uma ação coletiva, como vem se dando no mundo árabe.”
Artigo Completo, ::Aqui::

BRASIL,BRASIL

Posted: 22 Feb 2011 11:34 PM PST

Muniz Sodré, Observatório da Imprensa

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