Sobre o filme "300": a serviço da guerra possível contra o Irã |
AUTOR: Nazanín Amirian, 7 de Abril de 2007 Traduzido por Traduzido por Omar L. de Barros Filho |
"300" é o título do polêmico filme norte-americano que narra, a seu modo e baseado na versão escrita pelo historiador grego Heródoto, a Batalha das Termópilas, entre as tropas iranianas encabeçadas pelo rei Xerxes I e as do rei espartano Leônidas I. Embora a história seja escrita, habitualmente, pelos vencedores, neste caso são os aliados dos vencidos que se ocuparam, em uma grande superprodução, de justificar sua interpretação daquela guerra. A manipulação dos fatos inicia com o próprio título do filme. Para demonstrar o heroísmo dos gregos frente ao poderoso exército iraniano, dá-se a impressão de que no campo de batalha somente lutaram os 300 guerreiros espartanos. Em absoluto isso é correto! Pois, por um lado, cada espartano ia acompanhado, normalmente, por dois escravos tespianos, o que resultava em mais de 700. Por outro lado, são apagados do mapa outros seis mil homens aliados gregos, compostos por Tegeas, Mantineas, Orcómenos, Corintos, Fliuntes, Micenas, tespios, tebanos, focenses e locros, entre outros. Os clássicos gregos, para justificar sua derrota naquela batalha, mudaram as datas e os fatos. E, assim, por arte de magia, os 150 ou 200 mil soldados persas se multiplicaram para alcançar a impossível cifra de 5.283.220 homens. Uma vez declarada a guerra, tanto as fontes gregas como as persas afirmam que Xerxes, depois de conhecer a dimensão reduzida do exército inimigo, pediu que se rendessem para não serem aniquilados. Leônidas, entretanto, rechaçou essa oferta. Foi um suicídio anunciado, em que os heróicos guerreiros não tinham outro remédio a não ser lutar até morrer, tanto pelo código de honra ao qual estavam atados, como por tribunais de guerra que, no caso de fuga ou rendição, lhes condenavam à morte. Neste novo fascículo da publicidade em favor do "choque de civilizações", e uma pura apologia da guerra e do racismo, que bateu o recorde de bilheteria e de lucros (um termômetro do grau de saúde de nossas sociedades?), se insinuam sutis mensagens do “pensamento único”, que divide o mundo entre O Bem absoluto e O Mal absoluto. Nelas, o primeiro é materializado no corpo de homens belos, sexys, de olhos azuis, fortes e graciosos, que falam de "democracia e liberdade" no melhor estilo dos marines norte-americanos no Iraque, e o outro em figuras de tez escura (tanto faz, como ocorre nesse caso, que o monarca ariano da Pérsia seja desenhado como um tuaregue africano, com um turbante indiano ao estilo de Aladim!), monstros desumanizados, selvagens e sanguinários. Confesso que divirjo de meus conterrâneos que reivindicam para a figura do rei Xerxes I a reencarnação da bondade e compaixão em suas conquistas. Creio que nenhum governante que envia suas tropas para destruir lares e cidades e arrasar vidas inteiras pode ser um modelo de moral e ética. Ainda mais que o filme – uma extensão de “Alexandre”, outra fita com conteúdo parecido -, entra em cartaz justo no momento em que o fantasma de uma agressão militar ronda o povo iraniano. Tampouco me importa se a película reflete a veracidade dos fatos históricos, já que tanto naquela época como agora, para quem tem seus lares arrasados, seus filhos assassinados, suas mulheres violadas, seu sustento roubado, não faz diferença a cor da pele daqueles que cometem essas selvagerias. As guerras televisionadas e transmitidas ao vivo como mais um espetáculo, ao menos, devem nos ensinar que não existem invasores bons e maus, nem há guerras boas e más. As guerras mutilam, violentam, aterrorizam e matam, sem contar as incuráveis seqüelas psicológicas que deixam para sempre. Os filmes bélicos têm a magia “negra” de fazer com que nos coloquemos na pele do herói, do vencedor e, que, inconscientemente, desfrutemos da dor do outro, nos convertendo em cúmplices daqueles crimes. Silenciam sobre as causas dos conflitos, embelezam o sofrimento com efeitos especiais e habilidades cenográficas e camuflam a crueldade que um ser humano exerce sobre outro “cumprindo com seu dever”. Esse tipo de filme, longe de nos dar uma lição para prevenir a pior tragédia que pode sofrer uma comunidade humana - a guerra, essa habilidade infernal de nossa espécie -, alimenta a indústria das armas, convertida no principal negócio do planeta, e justifica a militarização global. Os gastos militares, hoje, alcançam a cifra recorde de 835 bilhões de euros, 3,4% a mais em relação ao ano passado. Tão somente com o que se gasta em quatro dias no armamento no mundo seria possível escolarizar 125 milhões de crianças, e, com 10%, garantir o acesso aos serviços básicos para grande parte da população humana: as guerras são a principal causa de fome extrema em todo o mundo. Frente a “300”existem “Cidade aberta” de Roberto Rossellini, ou “Hiroshima, meu amor”, entre outros filmes que nos convidam a uma reflexão sobre a guerra, os desgarramentos humanos que produz, seus filhos órfãos, suas mulheres pisoteadas e humilhadas, e os lares convertidos em um monte de escombros: trata-se simplesmente de recuperar a memória, e abrir os olhos para ver e para olhar. Nascida em 1961, a politóloga iraniana Nazanín Amirian redige, na imprensa espanhola, artigos sobre a situação política internacional. Também escreve livros no idioma espanhol. É autora de "Robaiyat" - los cuartetos de Omar Jayyam; "El cuentacuentos persa"; "Mujeres sin hombres"; "Kurdistán, el país inexistente", "Al gusto persa" (ganhador de dois prêmios internacionais) e "Un Español en mi cama", em conjunto com Martha Zein, além de textos sobre a gastronomia e a cultura do Irã. Fonte : Rebelión Traduzido do espanhol para o português por Omar L. de Barros Filho, diretor de redação de Via Política e membro deTlaxcala, rede de tradutores pela diversidade lingüística. Esta tradução é Copyleft para qualquer uso não comercial. Pode ser reproduzida livremente, sob a condição de que sejam respeitadas integralmente as menções de autor, tradutores e fonte. URL deste artigo: http://www.tlaxcala.es/pp.asp?reference=2386&lg=po |
"TODA SOCIEDADE SE AFERRA A UM MITO E VIVE POR ÊLE. O NOSSO MITO É O DO CRESCIMENTO ECONÔMICO"- Tim Jackson
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
A GUERRA POSSÍVEL
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário